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segunda-feira, 29 de março de 2010

OS Manguezais amazônicos

A costa norte do Brasil é composta pelos litorais do Maranhão, Pará e Amapá. Nesta região encontra-se a maior área contínua de manguezais do mundo, os chamados “Manguezais Amazônicos”, com destaque para o Maranhão, que sozinho tem quase a metade das áreas de manguezais de todo o Brasil.  

Estes manguezais são chamados de amazônicos, pois além de estarem situados na região amazônica, possuem dimensões amazônicas com extensas florestas, compondo um verdadeiro cinturão verde no litoral da costa norte, podendo chegar a até 40 km de largura, como na região das Reentrâncias Maranhenses. Além disso, suas árvores podem ultrapassar 40 metros de altura, pesando mais de uma tonelada por indivíduo. Desta forma, estas florestas representam um importante estoque de carbono, com muitas toneladas por hectare.

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O elevado grau de desenvolvimento destes manguezais pode ser explicado pela conjunção de diversos fatores que favorecem seu crescimento, como a presença de grandes rios, a elevada amplitude de maré, que pode chegar a 8 metros no Maranhão, a baixa declividade do litoral, elevadas temperaturas, umidade e quantidades de chuvas e, intensidade de radiação solar, uma vez que estão situados em torno da linha do equador.

Outra especificidade dos Manguezais Amazônicos é que além de serem mais altos e mais extensos, eles também abrigam uma maior biodiversidade, tanto em relação à fauna quanto a flora.

Existem duas espécies de mangue vermelho, a Rhizophora racemosa e Rhizophora harisonii, que só ocorrem na costa norte, sendo que a última ocorre na porção do estuário, local onde as águas são predominantemente doces.

            Em relação à fauna, existe uma ampla diversidade de espécies de peixes, moluscos, crustáceos, aves, répteis e mamíferos, muitos destes ameaçados de extinção.

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            O mero (Epinephelus itajara), por exemplo, é comumente encontrado em redes e currais de pesca nos estuários, estando na maioria das vezes com tamanho correspondente a fase juvenil, demonstrando a importância destas áreas de manguezais para esta espécie de peixe criticamente ameaçada de extinção.

            O peixe-boi marinho (Trichechus manatus), que é o mamífero aquático mais ameaçado de extinção do Brasil, tem sua maior área de ocorrência no Maranhão, com destaque para a Baía de Tubarão, onde ainda é possível se observar grupos com mais de dez indivíduos. Além disso, na região estuarina da Baía de Marajó, no Pará, ocorrem as duas espécies de peixes-boi existentes no Brasil, o marinho e o amazônico (Trichechus inunguis).

Outra especificidade é que as mudanças sazonais nos regimes de chuvas influenciam nas descargas dos grandes rios desta região, sendo capazes de alterar significativamente a predominância entre as espécies de pescados de águas doces e marinhas nos estuários. Desta forma, os manguezais da costa norte servem de abrigo para reprodução e crescimento de diversas espécies de peixes, tanto de águas doce, como de águas salgadas.

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Esta região apresenta também uma grande diversidade sociocultural, sendo habitada por inúmeras comunidades tradicionais, muitas destas remanescentes de indígenas, que acabaram sendo “empurrados” para estas áreas, e de quilombolas.

A grande quantidade de comunidades remanescentes de quilombolas em áreas de manguezais no Maranhão pode ser explicada pelo fato de estas áreas terem servido para ocultar uma grande quantidade de desembarques clandestinos de escravos, vindos principalmente da Costa da Mina na África, que eram enviados para suprir muitas fazendas na região do nordeste, mesmo depois da proibição do tráfico a partir de 1831. Assim, era muito comum a fuga de escravos que sendo clandestinos, não podiam ser “caçados” pelo aparato repressivo oficial. Estas fugas acabaram resultando na implantação de muitos quilombos ao longo da região costeira.

Desta forma, estas áreas acabaram sendo palco para a formação de uma rica cultura, nascida da miscigenação de diferentes povos, refletida no grande número de manifestações folclóricas, religiosas, embarcações, culinária, usos medicinais, lendas, entre outros aspectos relacionados aos manguezais.

A madeira de mangue, principalmente a siriba (do gênero Avicennia), é comumente usada para a confecção de diversos instrumentos de percussão como o tambor de fogo e o tamborinho, do Bumba-meu-boi sotaque de zabumba, a caixa do Divino Espírito Santo, e a parelha (conjunto de três tambores) do Tambor de Crioula.

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Mestre Betinho (Herbert Mafra), do Bumba-meu-boi e Tambor de Crioula da Fé em Deus, conta que quando os africanos foram levados para região de Guimarães, nas Reentrâncias Maranhenses, escutaram o som que os troncos de siriba morta, oca, que boiavam após serem derrubadas pela maré, faziam quando batiam contra as ondas, perceberam que daria para fazer bons tambores. O som característico do bater na água se chama punga. Desta forma, quando o tocador do tambor grande, do Tambor de Crioula, reproduz um som semelhante ao da água, diz-se que ele está pungando.   

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Mestre Betinho sempre canta uma toada muito antiga, que remete a esta história:

“É pau pungador, é pau pungador

Mangue branco é siribeira

É pau pungador

Mangue branco é siribeira”

            Nesta região das Reentrâncias Maranhenses a siriba é comumente chamada de mangue branco, em função do sal em suas folhas, que lhe confere um coloração esbranquiçada.

Da mesma forma, existem fortes relações entre os manguezais e o Tambor de Mina, religião afro-brasileira tipicamente maranhense que cultua Orixás, Voduns e Encantados. Além do uso da madeira para confecção dos Batás, que são os instrumentos de percussão, as folhas também podem ser usadas em alguns rituais, e em alguns casos o próprio manguezal pode ser usado como local sagrado para assentamentos, sendo também morada de muitos Encantados. A Fauna, flora e diversos outros elementos relacionados aos manguezais compõem diversas doutrinas (canções) entoadas nos rituais do Tambor de Mina, em homenagem aos Encantados que habitam esta região, como por exemplo:

“Ô guará, guará, ô guará-mirim,

Ô guará, guará, ô guará-mirim,  

Pelo olho eu conheço quem fala de mim,

Pelo olho eu conheço quem fala de mim,

Nunca vi guará-mirim tomar banho na maré,

Nunca vi guará-mirim tomar banho na maré,

Por quê? Por que guaxinim, tu falou de mim?”

Segundo o Babalorixá Euclides Talabyan, da Casa Fanti-Ashanti, esta é uma canção centenária para encantados dos manguezais, de domínio popular.

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            Por fim, vale destacar que estes Manguezais Amazônicos tem relevante importância socioeconômica e ambiental, não só a nível local, mas também a nível nacional e até mesmo internacional. Existem estudos que apontam que estes manguezais podem estar contribuindo com a fertilidade das águas do Golfo de México e do Caribe, em função do transporte de nutrientes e detritos pela Corrente Norte do Brasil, que lava toda a Costa Norte brasileira e chegam a estas áreas estrangeiras.

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Portanto, a conservação destes ecossistemas manguezais deve ser de responsabilidade do Poder Público e de toda sociedade brasileira e, em parte, da comunidade internacional que se beneficia dos serviços ambientais prestado gratuitamente pelos Manguezais Amazônicos.

 

Por  Dr. Bruno de Brito Gueiros Souza